
"A gente tem de aproveitar até a época do Natal, enquanto as pessoas
estão circulando mais pelas lojas, para tentar ganhar um pouco mais. Lá
em casa, ninguém trabalha registrado e todos têm de se virar para
conseguir sobreviver.
É duro, mas é o que a gente tem agora e não adianta ficar reclamando",
contou, em dezembro. Histórias como a dela são cada vez mais frequentes.
A crise tirou empregos dos chefes de domicílio ou fez com que eles
tivessem de aceitar novas ocupações que não pagavam o suficiente para
sustentar a família, levando os companheiros e filhos a anteciparem a
entrada no mercado, muitas vezes pelo caminho da informalidade. Dados
mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua, do terceiro trimestre de 2019, apontam que a taxa de
participação de dependentes no mercado de trabalho alcançou 60,1% - mais
do que no mesmo período de 2018 (58,8%) e bem acima do que havia sido
registrado em 2014, antes da recessão, quando os dependentes eram 55,8%.
No terceiro trimestre do ano passado, eram 59,2 milhões de brasileiros
que não eram chefes de domicílio e faziam parte da mão de obra
disponível - 6 milhões a mais do que cinco anos antes, quando o País não
tinha enfrentado a recessão. Os números, compilados para o Estado pela
consultoria IDados, também mostram que os chefes de família ainda são
maioria na força de trabalho, mas o desemprego e a dificuldade de
recolocação tornaram cada vez mais difícil para eles a conquista do
emprego. No fim de 2012, ano em que a Pnad começou a ser feita, a
participação desses chefes de domicílio no mercado de trabalho batia em
quase 70%. Sete anos depois a queda registrada é de quase quatro pontos
porcentuais.
Para Bruno Ottoni, economista da iDados, esse cenário é ilustrativo da
atual situação do mercado de trabalho: a recuperação até ocorreu em
2019, mas foi lenta e puxada por vagas de menor remuneração. "A
participação dos mais jovens aumentou quase três pontos porcentuais
desde a recessão; a de mulheres, quatro pontos porcentuais. A família
precisou se reorganizar para tentar se manter", avalia.
"Há um esforço de toda família, e o desemprego de longa duração leva a
pessoa a agarrar a primeira oportunidade", diz Clemente Ganz Lúcio,
diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese).
Informalidade X carteira assinada
A entrada antecipada e em condições adversas de um jovem no mercado de
trabalho, para compensar a perda de renda da família, pode condenar
esses trabalhadores a anos de informalidade e baixa remuneração. O
economista da consultoria IDados Bruno Ottoni lembra que a falta de
experiência e a necessidade forçam os dependentes a caírem na
informalidade. "Quando se é jovem e é preciso procurar trabalho nessas
condições adversas, alguns são obrigados a parar de estudar. Esse
trabalhador deixa de acumular capital humano e só consegue vagas de
baixa remuneração."
No trimestre móvel encerrado em novembro, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, as ocupações sem
carteira lideraram a geração de vagas, e houve recorde de 38,8 milhões
de informais. Sérgio Firpo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper),
lembra que o trabalhador que começa na informalidade tem mais chances de
permanecer sem carteira. "Ele terá menos oportunidades depois, mesmo
quando a economia se recuperar."
'Jovem não conquista o que os pais alcançaram'
Para o sociólogo José Pastore, que é presidente do Conselho de Emprego e
Relações do Trabalho da FecomercioSP e professor da Universidade de São
Paulo (USP), as dificuldades que os mais jovens enfrentam hoje no
mercado de trabalho são maiores do que as que seus pais enfrentaram,
tanto pela necessidade de treinamento e atualização, quanto pelos
reflexos da recessão de 2015 e 2016, que tirou o emprego de chefes de
família e antecipou a entrada no mercado de jovens com qualificação
incompleta. A seguir, trechos da entrevista.
Quem entra no mercado hoje se depara com uma situação pior do que há cinco ou dez anos. O que mudou em tão pouco tempo?
Há dois fatores: a recessão do Brasil, que ainda não foi embora, e a
diversificação das profissões, que está exigindo mais das pessoas. Os
jovens acabam sendo os mais vulneráveis. Há dez anos, as tecnologias
entravam para substituir atividades repetitivas e que pagavam menos,
como as de uma linha de montagem, por exemplo. A tecnologia transforma,
cria e destrói profissões. O que acontece é que as mudanças nunca foram
tão rápidas.
Hoje não é mais assim?
Hoje, os robôs, a inteligência artificial e as impressoras 3-D estão
substituindo atividades que exigem mais conhecimento e habilidade
intelectual. Uma pessoa que era chefe de estoque de um supermercado pode
ser substituída pelo sistema da caixa registradora, que já dá baixa no
estoque quando uma venda é feita. Quem está sendo substituído não é mais
só o trabalhador mais humilde, mas também o de classe média, com
educação secundária e renda de R$ 4 mil.
A geração mais jovem acaba se sentindo frustrada ao tentar buscar o primeiro emprego?
Para os mais jovens, está mais difícil chegar na posição que os pais
alcançaram com a mesma idade. Eles não conquistam mais o que os pais
alcançaram e não há mais tantas perspectivas de subir a escala social no
curto prazo. Muitos deles ficam frustrados, desanimados, se sentem
inferiores em relação aos pais. Essa percepção cria um ambiente
negativo, e faz crescer, em praticamente todos os países do mundo,
movimentos populistas que se aproveitam dessa camada social que perdeu a
oportunidade de ascender. Se eles não conseguem nem mesmo um primeiro
emprego protegido pelos benefícios da ocupação formal, isso tem sérios
reflexos para a sociedade.
É um abismo geracional?
É uma situação completamente diferente daquela de 50 anos atrás. Se
olharmos o mercado algumas décadas antes do fim dos anos 1970, é
possível ver que o Brasil tinha uma quantidade grande de pessoas que
ascenderam socialmente. Elas se mudaram do campo para a cidade, foram
atuar na indústria, entraram como aprendizes e chegaram a gerentes.
Hoje, esse fenômeno de bons empregos estáveis só existe na área de alta
tecnologia.
É exagero falar em uma 'geração perdida' de trabalhadores?
Os que têm mais qualificação, mas caem na informalidade por falta de uma
opção melhor, têm mais chances de melhorar de trabalho, quando a
economia se recuperar. É o engenheiro que 'está' motorista de Uber. Mas
quem entra na informalidade por falta de qualificação, mesmo quando a
economia melhorar, não vai muito além daquela função. Esse trabalhador
vai ter um processo lento e doloroso de melhoria social. Na literatura,
aparece com frequência que o desemprego prolongado entre os jovens
desemboca em uma geração perdida. Além de a pessoa desanimar, fica
obsoleta e perde condições de acompanhar as mudanças tecnológicas. Uma
parte dos trabalhadores brasileiros pode, sim, entrar nessa conta
triste.
A crise coincide com a entrada de serviços via aplicativos, que costumam atrair muitos jovens. É uma precarização do trabalho?
Eu acredito que seja, sim, uma forma de precarização. Esse tipo de
trabalho, por aplicativos, está fora de qualquer vínculo empregatício. E
é sempre bom lembrar que a proteção trabalhista e o acesso ao sistema
de Previdência se baseia no vínculo de emprego. A grande maioria dessas
pessoas, que têm ganhado a vida penduradas em garupas de moto ou
dirigindo carros alugados por horas, não tem proteção alguma. O mundo
inteiro está procurando sistemas para proteger quem é autônomo ou
trabalha sob demanda. Todos esses são seres humanos que adoecem,
envelhecem, precisam tirar licença. É importante garantir, pelo menos
isso para essas pessoas.
O que fazer para facilitar a entrada dos mais jovens em postos de trabalho melhores?
A coisa mais fundamental é melhorar a educação básica, para que as
pessoas consigam acompanhar e absorver as mudanças tecnológicas em
curso. Os países ricos fazem educação continuada, em que o cidadão fica
constantemente estudando e procurando absorver as novidades do processo
produtivo, das formas de gerenciamento e de administração. No Japão, os
jovens são recrutados no último ano da faculdade, e as empresas só param
de treiná-lo quando ele se aposenta. Na Alemanha, a experiência é unir
escola e empresas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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